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Jogos de tiro e Oriente Médio: uma visão do inimigo


Seja no noticiário, nos programas de TV ou nos filmes, os árabes se tornaram sinônimo de “terroristas”. E, graças aos games, eles se transformaram em alvo – literalmente.
Minha profissão e minha experiência pessoal me dão uma perspectiva única sobre a situação. Eu nasci e cresci em Detroit (Michigan, EUA), e me mudei para Beirute (Líbano) cerca de oito anos atrás. Eu venho jogando videogame desde sempre, e tenho competido em campeonatos pelos últimos três ou quatro anos. Agora eu trabalho para a maior comunidade gamer do Oriente Médio, a At7addak.com.
A questão é: nós não estamos sozinhos enquanto alvos. Os russos, chineses, vietnamitas e todos os alemães também estão nessa. Mas os árabes viraram o centro das atenções nos últimos anos.
O centro das atenções, mas não como heróis. Todos nós jogamos como um fuzileiro americano, ou de alguma outra força paramilitar, e já vimos como a história dos jogos tenta humanizar esses personagens com apelidos legais e detalhes de suas vidas. Pense no Ghost ou no Soap, de Call of Duty: Modern Warfare 2. É aqui que as diferenças começam a aparecer. Os americanos se identificam com o personagem que está defendendo seu país dos terroristas que ameaçam a liberdade. Já os árabes se “identificam” com o cara que vai destruir a cidade deles… e fica por isso mesmo.
Permita-me descrever uma cena típica. De repente, um personagem desprovido de emoção, controlado pela inteligência artificial, surge na tela armado com uma AK-47. Roupas rasgadas, pé descalço, ele sai correndo do nada e para no meio de um pátio, atirando e gritando palavras em “árabe”. Na maioria dos jogos modernos, como Call of Duty e Battlefield, a língua é “árabe” mesmo. Mas, por outro lado, alguns jogos nem se dão ao trabalho. Veja esta imagem de Splinter Cell: Conviction:
Splinter Cell: Conviction
Splinter Cell: Conviction e sua própria noção de língua árabe (na placa da esquerda).
A placa de trânsito da direita está escrita em árabe corretamente. A placa da esquerda, porém, é só um monte de rabiscos sem sentido. Não entendo por que só uma placa recebeu o tratamento adequado.
Outros jogos usam caracteres árabes corretamente, mas separam cada letra com um espaço, como se fossem palavras separadas. Call of Duty usa a língua árabe corretamente no áudio, mas de alguma maneira consegue errar no texto. Em árabe, você lê da direita para a esquerda, e quase todas as letras se ligam. Por algum motivo estranho, a Infinity Ward decidiu organizar as letras da esquerda para a direita, o que, eu imagino, causou o espaço entre elas.
Os desenvolvedores não parecem dispostos a dar o mesmo tratamento dos heróis aos inimigos e nem mesmo às armas de seus jogos. É claro, detalhes como esse que eu citei da linguagem árabe vão acabar sendo úteis só para os jogadores árabes mesmo. Talvez isso não seja uma prioridade.
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Modern Warfare e uma língua que não se encaixa
Nós nunca somos devidamente apresentados ao inimigo, então a aparência dele e a caracterização do personagem seguem os estereótipos estabelecidos. Como em Medal of Honor: Warfighter, em que temos tudo aquilo: as roupas empoeiradas, as pele escura, a barba grande, o AK-47 e o pé descalço.
Obviamente, a realidade não é assim. Nós temos roqueiros, esportistas, moderninhos e tudo mais – como em qualquer outro lugar. Mas nos jogos não conseguimos ver nada a não ser estereótipos, e talvez isso tenha relação com o conflito no Oriente Médio.
Muitos jogos de tiro buscam um realismo com base ou inspiração em conflitos do mundo real. A colaboração entre Medal of Honor e os “seals” da marinha é um dos exemplos. Tudo bem com isso, mas é que muitas vezes a “autenticidade” aparece em um lado só.
Mesmo assim, eu percebo os pequenos detalhes. Não é raro em shooters assim ver a inteligência artificial fazendo coisas estúpidas, como ficar parado no meio de um tiroteio, atirar sem ver, não correr de granadas e sair da cobertura tempo suficiente para o jogador fazer justiça com uma chuva de balas – como no vídeo a seguir. É estranho para mim assistir a algo assim. Sim, inteligência artificial ruim em shooters não é nenhuma novidade. Mas é meio difícil de engolir quando vemos terroristas responsáveis por uma das mais perigosas organizações armadas ignorando estratégias de combate.
E, é claro, nós nunca, jamais, ouvimos a história de um árabe nesses jogos, nada sobre suas famílias ou “background”. Se isso acontecesse, eles ficariam mais humanos – e então não seria tão divertido. Quanto menos você se identificar com o cara na outra ponta do seu fuzil, mais fácil é atirar na cabeça dele.
Essas dessemelhanças – incluindo o pobre tratamento da língua árabe mencionado anteriormente – aumentam a desconexão entre mim e meu “eu digital”. E elas reforçam estereótipos sobre os árabes.
Como eu me sinto com tudo isso? Indiferente, e isso é perturbador. Se eu fosse teorizar, diria que todas as leituras negativas feitas pela mídia me anestesiaram. O fato de eu ter crescido me acostumando aos típicos estereótipos como o cara de barba e a túnica marrom (seja num filme, livro, programa de TV ou jogo) me preocupa.
Tenho amigos que expressam essa preocupação, e recusam a jogar certos games como Medal of Honor: Warfighter e Call of Duty por causa dos estereótipos. Acho que eles sentem que nós temos pouco ou nenhum controle sobre como somos percebidos no mundo real, que isso está fora de nosso alcance. Mas pense sobre isto: em mundos fictícios, alguém programa toda essa xenofobia e esses estereótipos puramente em nome do entretenimento. Eu acho que isso é pior ainda.
Veja Medal of Honor: Warfighter, por exemplo, um jogo cujo slogan é “Nós caçamos o terror.” Mas ele chegou a ser vendido no Oriente Médio, ficou em posição de destaque nas lojas no dia do lançamento. E vendeu bem, até. Meu palpite é que a maioria das pessoas cresceu anestesiada com as representações negativas também, ou então elas simplesmente não ligam. Apesar das controvérsias, os shooters militares estão sempre no topo das listas de vendas no Oriente Médio.
Normalmente, alguns jogos são banidos e não chegam às lojas. Em Dubai, por exemplo, o órgão de censura joga cada jogo antes do lançamento e decide se ele poderá ser vendido ou não. A tendência é banir jogos que lidam com temas religiosos controversos ou tê muitas cenas de sexo explícito, para citar alguns exemplos – especialmente jogos como Saints Row The Third. Acho que foi culpa daquele pênis de borracha gigante.
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Medal of Honor: Warfighter
Apesar dessas medidas, os jogos banidos ainda chegam ao mercado cinza, onde as datas de lançamento são quebradas e você não precisa esperar tanto assim pelos seus jogos preferidos – estejam eles banidos ou não. Os jogadores sabem exatamente onde encontrar esses jogos proibidos, embora seja preciso conviver com o fato de que é difícil encontrar DLC e bônus de pré-venda nesse mercado informal.
Mas não é de todo mal. Nos últimos anos temos visto grandes avanços em tradução e localização. Pela primeira vez vimos jogos inteiros dublados em árabe, como Need for Speed: Most Wanted e Epic Mickey 2. Pessoalmente, eu ainda prefiro jogar em inglês, mas o simples fato de poder mudar a linguagem para árabe já é mais que suficiente. A Xbox Live acaba de reconhecer oficialmente alguns poucos países no Oriente Médio. Hideo Kojima visitou Dubai, e agora a Ubisoft tem uma operação em Abu Dhabi. Tudo o que eu posso esperar é um futuro que nos retrate de maneira mais digna.
Eu não espero que nossa representação em certos jogos melhore tão cedo assim. Enquanto isso estiver acontecendo no mundo real, os árabes podem esperar um tratamento semelhante nos jogos de tiro. Sempre vai existir um alvo, e parece que agora é a nossa vez.
 

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